Quem sou eu

Minha foto
Eu confesso que a imponência das Escrituras me deixa maravilhada e a santidade dos Evangelhos fala ao meu coração.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

A religão pode fazer o bem melhor e também o mal pior





Tudo o que é sadio pode ficar doente. Também as religiões e as igrejas. Hoje particularmente assistimos a doença do fundamentalismo contaminando setores importantes de quase todas as religiões e igrejas, inclusive da Igreja Católica. Há, às vezes, verdadeira guerra religiosa. Basta acompanhar alguns programas religiosos de televisão especialmente, de cunho neopentecostal, mas não só também de alguns setores conservadores da Igreja Católica para ouvir a condenação de pessoas ou de grupos, de certas correntes teológicas ou a satanização das religiões afro-brasileiras.

A expressão maior do fundamentalismo de cunho guerreiro e exterminador é aquele representado pelo Estado Islâmico que faz da violência e do assassinado dos diferentes, expressão de sua identidade.

Mas há um outro vício religioso, muito presente nos meios de comunicação de massa especialmente na televisão e no rádio: o uso da religião para arrebanhar muita gente, pregar o evangelho da prosperidade material, arrancar dinheiro dos fregueses e enriquecer seus pastores e autoproclamados bispos. Temos a ver com religiões de mercado que obedecem à lógica do mercado que é a concorrência e o arrebanhamento do número maior possível de pessoas com a mais eficaz acumulação de dinheiro líquido possível.

Se bem repararmos, para a maioria destas igrejas midiáticas, o Novo Testamento raramente é referido. O que vigora mesmo é o Antigo Testamento. Entende-se o porquê. O Antigo Testamento, exceto os profetas e de outros textos, enfatiza especialmente o bem estar material como expressão do agrado divino. A riqueza ganha centralidade. O Novo Testamento exalta os pobres, prega a misericórdia, o perdão, o amor ao inimigo e a irrestrita solidariedade para com os pobres e caídos na estrada. Onde que se ouve, até nos programas católicos, as palavras do Mestre: “Felizes vocês, pobres, porque de vocês é o Reino de Deus”?

Fala-se demais de Jesus e de Deus, como se fossem realidade disponíveis no mercado. Tais realidades sagradas, por sua natureza, exigem reverência e devoção, o silêncio respeitoso e a unção devota. O pecado que mais ocorre é contra o segundo mandamento:”não usar o santo nome de Deus em vão”. Esse nome está colado nos vidros dos carros e na própria carteira de dinheiro, como se Deus não estivesse em todos os lugares. É Jesus para cá e Jesus para lá numa banalização desacralizadora irritante.

O que mais dói e verdadeiramente escandaliza é usar o nome de Deus e de Jesus para fins estritamente comerciais. Pior, para encobrir falcatruas, roubo de dinheiros públicos e de lavagem de dinheiro. Há quem possui um empresa cujo título é “Jesus”. Em nome de “Jesus” se amealharam milhões em propinas, escondidas em bancos estrangeiros e outras corrupções envolvendo bens públicos. E isso é feito no maior descaramento.

Se Jesus estivesse ainda em nosso meio, seguramente, faria o que fez com os mercadores do templo: tomou o chicote e os pôs a correr além de derrubar suas bancas de dinheiro.

Por estes desvios de uma realidade sagrada, perdemos a herança humanizadora das Escrituras judaico-cristãs e especialmente o caráter libertador e humano da mensagem e da prática de Jesus. A religião pode fazer o bem melhor mas também pode fazer o mal pior.

Sabemos que a intenção originária de Jesus não era criar uma nova religião. Havia muitas no tempo. Nem pensava reformar o judaísmo vigente. Ele quis nos ensinar a viver, orientados pelos valores presentes em seu sonho maior, o do Reino de Deus, feito de amor incondicional, misericórdia, perdão e entrega confiante a um Deus, chamado de “Paizinho”(Abba em hebraico) com características de mãe de infinita bondade. Ele colocou em marcha a gestação do homem novo e da mulher nova, eterna busca da humanidade.

Como o livro dos Atos dos Apóstolos o mostra, o Cristianismo inicialmente era mais movimento que instituição. Chamava-se o “caminho de Jesus”, realidade aberta aos valores fundamentais que pregou e viveu. Mas na medida em que o movimento foi crescendo, fatalmente, se transformou numa instituição, com regras, ritos e doutrinas. E aí o poder sagrado (sacra protestas) se constituiu em eixo organizador de toda a instituição, agora chamada Igreja. O caráter de movimento foi absorvido por ela. Da história aprendemos que lá onde prevalece o poder, desaparece o amor e se esvai a misericórdia. Foi o que infelizmente aconteceu. Hobbes nos alertou que o poder só se assegura buscando mais e mais poder. E assim surgiram igrejas poderosas em instituições, monumentos, riquezas materiais e até bancos. E com o poder a possibilidade da corrupção.

Estamos assistindo a uma novidade que cabe saudar: o Papa Francisco nos está resgatando o Cristianismo mais como movimento do que como instituição, mais como encontro entre as pessoas e com o Cristo vivo e a misericórdia ilimitada que a férrea disciplina e doutrina ortodoxa. Ele colocou como Jesus, a pessoa no centro, não o poder, nem o dogma, nem o enquadramento moral. Com isso permitiu que todos, mesmo não se incorporando à instituição, podem se sentir no caminho de Jesus na medida em que optam pelo amor e pela justiça. (Leonardo Boff)

Leonardo Boff é colunista do Jornal do Brasil on line, ecoteólogo e escritor

Fonte:  https://leonardoboff.wordpress.com/2015/11/02/a-religao-pode-fazer-o-bem-melhor-e-tambem-o-mal-pior/

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A simplicidade profunda e esmagadora de Jesus.

A cada dia mais me impressiona a simplicidade de Jesus em relação a tudo.
Ele negou-se a tratar de quase tudo o que a filosofia e a teologia tratam com avidez.
A origem do mal Ele simplesmente desprezou em qualquer que seja a explicação “metafísica”. Simplesmente disse que o mal existe. E o tratou com realidade óbvia.
O problema da dor foi por Ele tratado com as mãos, não com palavras e discursos.
As desigualdades sociais foram todas reconhecidas, mas não se o vê armando qualquer ação popular contra elas. Seus protestos eram todos ligados à perversão do coração, mas nunca se tornavam projeto político, ou passeatas, ou bandeiras.
A “queda” não é objeto de nenhuma especulação da parte Dele. Bastava a todos ver as conseqüências dela.
Sobre a morte sua resposta foi a paz e a vida eterna. Jamais tentou justificar o Pai de nada. Apenas disse que Ele é bom e justo.
Mandou lutar contra os poderes da hipocrisia e do desamor, mas não deu nenhuma garantia de que se os venceria na Terra. Sua grande resposta à catástrofe humana foi a promessa de Sua vinda, e nada mais. Nunca pediu que se estabelecesse o Reino de Deus fora do homem, mas sempre dentro dele; pois, fora, o reino, por hora, era do príncipe deste mundo. Não buscou ninguém com poder a fim de ajudar qualquer coisa em Sua missão.
Adulto, foi ao templo apenas para pregar aquilo que acabaria com o significado do templo como lugar de culto. Fez da vida o sagrado, e de todo homem um altar no qual Deus é servido em amor.
Chamou o dinheiro de “deus”, mas se serviu dele como simples meio. Pagou impostos; mas nunca cobrou nada de ninguém, exceto amor ao próximo. A morte para Ele não era a mesma coisa que é para nós. Morrer não era mal. Viver mal é que era mau.
Em Seus ensinos Ele sempre parte do que existe como realidade e nega-se fazer qualquer viagem para aquém do dia de hoje. Para Ele o mundo se explicava pelas ações dos homens, e prescindia de analises; pois, tudo era mais que óbvio. Não teologizou sobre nada. E todas as Suas respostas aos escribas e teólogos eram feitas de questões sobre a vida e seu significado agora; e sempre relacionado ao que se tem que ser e fazer.
Quando indagado de onde vinha o “joio”, Ele simplesmente diz: “Um inimigo fez isso...” — referindo-se ao diabo.
Prega a Palavra, e não tenta controlá-la. Vê pessoas crerem, mas não tem nenhuma fixação em fazê-las suas seguidoras físicas e geográficas. Não tem pressa, embora saiba que o mundo precisa conhecer Sua Palavra. Cita as Escrituras sem nenhuma preocupação com autores, contextos ou momentos históricos. Arranca certezas da Palavra baseadas em um verbo “ser” — aludindo ao fato de Deus ser Deus de vivos e não de mortos, pois, “para ele todos vivem”.
Ensina que a morte é o fundamento da vida, e tira dela o poder de matar, dando a ela a força das sementes que ao morrerem dão muito fruto. E assim Ele vai...E assim Nele é! Nele, para Quem a filosofia é a vida em amor. (Pr. Caio Fabio)

GÊNEROS LITERÁRIOS DOS EVANGELHOS



INTRODUÇÃO

O que é um Evangelho? É uma crônica, uma biografia, uma simples narração da vida de Jesus ou um tratado teológico?

Com certeza não se trata de uma biografia, nem dos moldes da antiguidade ou moderna.

Os evangelistas não tinham em mente escrever pormenores sobre a vida de Jesus, determinando o que ele fez ou deixou de fazer naquele dia especifico do calendário ou todas as atividades e movimento. Isso fica claro ao se perceber que as indicações espaço temporais das narrativas são na maioria das vezes genéricas: “na Cidade”, “em casa”, “no caminho”, “ naquele tempo”, “naquele hora”,. A extensão do tempo do ministério de Jesus, segundo os sinóticos é de no máximo um ano, com uma única subida da região da região da Galiléia à Jerusalém é uma só páscoa, enquanto segundo o quarto evangelista Jesus esteve em várias ocasiões em Jerusalém e ao menos três páscoas, perfazendo um período de aproximadamente três e meio.

Assim, se os evangelhos não são histórias ou biografias da vida de Jesus, no sentido moderno destes termos, eles são os registros do kerigma (mensagem) proclamada inicialmente pelos apóstolos, e depois pelos cristãos em geral. Esta mensagem era centrada na morte e ressurreição de Jesus e os evangelistas colocam estes acontecimentos como fatos verdadeiramente acontecidos.

Todos os evangelistas escreveram posteriormente aos acontecimentos ocorridos na páscoa que se torna o epicentro da narrativa evangélica de maneira que não há da parte deles uma preocupação cronológica e topográfica, mas sim histórico-querigmático, fundamentando no contexto histórico a mensagem do mistério da salvação realizada por Jesus na cruz, proclamada a todos em todos os tempos, formulando assim, um convite aos respectivos leitores a tomarem uma posição pessoal diante destes acontecimentos. A mensagem proposta pelos evangelista é praticamente salvífica.

O modelo evangélico literário foi inaugurado por Marcos e adotado pelos demais como protótipo. Este tipo de narrativa é decorrente das necessidades urgentes que sobrevieram mediantes a sobrenatural expansão das comunidades cristãs. O grande perigo era de não se preservar a integridade da pessoa de Jesus Cristo, mediante a tendência natural de se fixar em pontos particulares da vida de Jesus. Os estudiosos citam alguns exemplos destas tendências:

As comunidades de origem judaico-cristã tinham a tendência de se fixarem apenas nos ensinos ou palavra de Jesus, conforme sua herança sapiencial advinda do judaísmo. É possível perceber isso nas coleções de ditos (logia) que podem ser percebida na própria redação evangélica. O grande risco era minimizar Jesus a um simples mestre de ensinos eternos.

As comunidades de características gentílicas, mormente estabelecida por Paulo e seus companheiros, enfatizando principalmente o evento da morte e ressurreição de Jesus, as correspondência paulinas dão mínimas referencias históricas sobre a vida e ministério de Jesus. O grande perigo aqui era da a entender que Jesus irrompeu divinamente no mundo, podendo confundi-lo com os diversos deuses que compunham o pânteon grego-romano.

As comunidades cristãs helenísticas da região da Síria tinham a tendência de enfatizar os milagres de Jesus e tronar secundário os demais aspectos citados. O risco era tornar Jesus um “milagreiro”, fazendo-o semelhante aos famosos mágicos (Elimas, junto ao governo Sergio Paulo, em Atos) e curandeiro da antiguidade, que tomado por uma profunda compaixão diante das misérias humana, opera cura em favor dos pobres e necessitados.

Marcos e seus companheiros inauguram esta nova forma literária, fazendo uma fusão entre a pessoa histórica de Jesus e o que ele fez e disse durante seu ministério, dando uma unidade aos diversos aspectos de sua personalidade: sua sabedoria, sua ações sobrenaturais, sua defesa da liberdade do ser humano, seu mistério de morte e de ressurreição, culminando com o seu convite para que as pessoas cressem nele como o enviado definitivo de Deus.

Ainda que Marco seja o protótipo literário, cada evangelista manifesta sua peculiaridade e enfoque pessoais, conforme as necessidades dos seus leitores alvos.

2 Os evangelhos como gêneros literários

Os evangelhos são um género único na literatura universal. Não são meros relatos, mas também um convite à adesão ao cristianismo. A sua primeira intenção não é a biográfica. Apresentam Cristo como messias, filho de Deus e salvador da humanidade. Contém coleções de discursos, de parábolas e relatos, como o da paixão de Cristo e sua ressurreição.

2.1 Os evangelhos sinóticos

Antes de inicarmos o estudo de cada um dos evangelho, é necessario entendermos melhor a questão relacionada com os chamoados Evangelhos Sinóticos. Embora cada evangelho tenha sua enfase e proposito distintos, os três primeiros são chamado as vezes de Evangelhos Sinótico por que eles “vêem juntamente”, ou seja eles tem o mesmo ponto de vista em relação a vida e obra de Cristo. Além disso, eles também apresentam a vida de Cristo, em uma forma distinta, mas complementar, da oferecida em João em seu Evangelho.

Este assunto vem ocupando atenção dos eruditos do N. T, durante o ultimo século e meio, resumidamente poemos expor a problemática sonótica conformo o faz, Russell N. Champlim em seu artigo - “O Problema Sinótico” – conforme abaixo descrito:

1. Os evangelhos foram escrito “independentimente” uns dos outros, sem qualquer fonte comum, oral e escrita sendo narrativas somente feito de mémoria?

2. Se ouve fontes comum escritas ou orais, de que natureza e quantas eram elas?

3. Qual dos evangelhos sinótico é primaria? E esse Evangelho foi usado diretamente como fonte de informação pelos damis evangelistas? Nesse caso, como explicar as diferenças até mesmo no material em comum?

4. Qual foi a fonte de material usado pelos evangelhos não-primários, naquilo em que estão de acordo entre si, nas passagens quem não figuram em Marcos?

5. Quando um evnagelho não-primario tem material peculiar a si mesmo, qual foi sua fonte informativa?

6. Quais foram as fontes informativas do evangelho primario?

Percebemos que nenhumas dessa questões podem ser, com justiça, deixada de lado ou suprimida. Todavia, inumeraveis propostas tem sido produzidas para esclasrecer essas questões sinóticas. Cada uma delas é capaz de explicar alguns aspectos do problema, mas não é suficiente para esclarecer todos. Analissando estas propostas, chegamos a conclusão de que uma solução definitiva hade ser complexa. A melhor solução é aproveitarmos o que cada uma das diversas hipotese tem de confiavel.

3. EVANGELHO DE MATEUS
Embora este evangelho não identifique seu autor, a antiga tradição da igreja o atribui a Mateus, o apóstolo e antigo cobrador de impostos. Pouco se sabe sobre ele, além de seu nome e ocupação. A tradição diz que, nos quinze anos após ressurreição de Jesus, ele pregou na Palestina e depois conduziu campanhas missionárias em outras nações.

3.1 Data

Evidências externas, como citações na literatura cristã do Séc I, testemunham desde cedo a existência e o uso de Mt. Líderes da igreja do Séc. II e III geralmente concordavam que Mt foi o primeiro Evangelho a ser escrito, e várias declarações em sues escritos indicam uma data entre 60 e 65 dC.

3.2 Conteúdo

O objetivo de Mt é evidente na estrutura deste livro, que agrupa os ensinamentos e atos de Jesus em cinco partes. Este tipo de estrutura, comum ao judaísmo, pode revelar o objetivo de Mt em mostrar Jesus como o cumprimento da lei. Cada divisão termina com uma fórmula como: “Concluindo Jesus estes discursos...” (7.28; 11.1; 13.53; 19.1; 26.1).

No prólogo (1.1-2.23), Mt mostra que Jesus é o Messias ao relacioná-lo às promessas feitas a Abraão e Davi. O nascimento de Jesus salienta o tema do cumprimento, retrata a realeza de Jesus e sublinha a importância dele para os gentios.

A primeira parte (caps. 3-7) contém o Sermão da Montanha, no qual Jesus descreve como as pessoas devem viver no Reino de Deus.

A Segunda parte (8.1-11.1) reproduz as instruções de Jesus a seus discípulos quando ele os enviou para a viagem missionária.

A Terceira parte (11.2-13.52) registra várias controvérsias nas quais Jesus estava envolvido e sete parábolas descrevendo algum aspecto do Reino dos céus, em conexão com a resposta humana necessária.

A Quarta parte ( 13.53-18.35) o principal discurso aborda a conduta dos crentes dentro da sociedade cristã (cap 18).

A quinta Parte (19.1-25.46) narra a viagem final de Jesus a Jerusalém e revela seu conflito climático com o judaísmo. Os caps. 24-25 contêm os ensinamentos de Jesus relacionados à últimas coisas. O restante do Livro (26.1-28.20) detalha acontecimentos e ensinamentos relacionados à crucificação, à ressurreição e à comissão do Senhor à Igreja. A não ser no início e no final do Evangelho, a disposição de Mt não é cronológica e não estritamente biográfica, mas foi planejada para mostrar que o Judaísmo encontra o cumprimento de suas esperanças em Jesus.

3.3 Cristo Revelado

Este Evangelho apresenta Jesus como o cumprimento de todas as expectativas e esperanças messiânicas. Mt estrutura cuidadosamente suas narrativas para revelar Jesus como cumpridor de profecias específicas. Portanto, ele impregna seu Evangelho tanto com citações quanto com alusões ao AT, introduzindo muitas delas com a fórmula “para que se cumprisse”.

No Evangelho. Jesus normalmente faz alusão a si mesmo como o Filho do Homem, uma referência velada ao seu caráter messiânico (Dn 7.13,14). O termo não somente permitiu a Jesus evitar mal-entendidos comuns originados de títulos messiânicos populares, como possibilitou-lhe interpretar tanto sua missão de redenção (como em 17.12,22; 20.28; 26.24) quanto seu retorno na glória (como em 13.41; 16.27; 19.28; 24.30,44; 26.64).

O uso do título “Filho de Deus” por Mt sublinha claramente a divindade de Jesus ( 1.23; 2.15; 3.17; 16.16). Como o Filho, Jesus tem um relacionamento direto e sem mediação com o Pai (11.27).

Mateus apresenta Jesus como o Senhor e Mestre da igreja, a nova comunidade, que é chamada a viver nova ética do Reino dos céus. Jesus declara: “a igreja” como seu instrumento selecionado para cumprir os objetivos de Deus na Terra (16.18; 18.15-20). O Evangelho de Mt pode ter servido como manual de ensino para a igreja antiga, incluindo a surpreendente Grande Comissão (28.12-20), que é a garantia da presença viva de Jesus.

3.4 O Espírito Santo em Ação

A atividade do ES é evidente em cada fase e ministério de Jesus. Foi por meio do poder do Espírito que Jesus foi concebido no ventre de Maria (1.18-20).

Antes de Jesus começar seu ministério público, ele foi tomado pelo Espírito de Deus (3.16) e foi conduzido ao deserto para ser tentado pelo diabo como preparação adicional a seu papel messiânico (4.1). O poder do Espírito habilitou Jesus a curar (12.15-21 e a expulsar demônios (12.28).

Da mesma forma que João imergia seus seguidores na água, Jesus imergirá seus seguidores no ES (3.11). Em 7.21-23, encontramos uma advertência dirigida contra os falsos carismáticos, aqueles que na igreja, profetizam, expulsam demônios e fazem milagres, mas não fazem a vontade do Pai. Presumivelmente, o mesmo ES que inspira atividades carismáticas também deve permitir que as pessoas da igreja façam a vontade de Deus (7.21)

Jesus declarou que suas obras eram feitas sob o poder do ES, evidenciando que o Reino de Deus havia chegado e que o poder de satanás estava sendo derrotado. Portanto, atribuir o ES ao diabo era cometer um pecado imperdoável (12.28-32).

Em 12.28, o ES está ligado ao exorcismo de Jesus e à presente realidade do Reino de Deus, não apenas pelo fato do exorcismo em si, pois os filhos dos fariseus (discípulos) também praticavam exorcismo (12.27). Mas precisamente, o ES está executando um novo acontecimento com o Messias—”é chegado a vós o Reino de Deus” (v.28).

Finalmente, o ES é encontrado na Grande Comissão (28.16-20). Os discípulos são ordenados a ir e a fazer discípulos de todas as nações, “batizando-os em nome do Pai, do Filho e do ES” (v.19). Isto é, eles deveriam batizá-los “no/com referência ao “ nome— ou autoridade– do Deus Triúno. Em sua obediência a esta missão, os discípulos de Jesus têm garantida sua constante presença com eles.

3.5 Esboço de Mateus

Prólogo: Genealogia e narrativa da infância 1.1-2.23

 Genealogia de Jesus 1.1-17

 O nascimento 1.18-25

 A adoração dos magos 2.1-12

 Fuga para o Egito e matança nos inocentes, a volta para Israel 2.13-13


I. Parte um: Proclamação do Reino dos Céus 3.1-7.29

 Narrativa: Início do Ministério de Jesus 3.1-7.29

 Discurso: O Sermão da Montanha 5.1-7.29


II. Parte Dois: O ministério de Jesus na Galiléia 8.1-11.1

 Narrativa: Histórias dos dez milagres 8.1-11.1

 Discurso: Missão e martírio 9.35-11.1


III. Parte Três: Histórias e parábolas em meio a controvérsias 11.2-13.52

 Narrativa: Controvérsia que se intensificam 11.2-12.50

 Discurso: Parábolas do Reino 13.1-52


IV. Parte Quatro: Narrativa, controvérsia e discurso 13.53-17.27

 Narrativa: Vários episódios precedentes à jornada final de Jesus em Jerusalém 13.53-17.27

 Discurso: Ensino sobre a igreja 18.1-35


V. Parte Cinco: Jesus na Judéia e em Jerusalém 19.1-25.46

 Narrativa: A jornada final de Jesus e a instauração do conflito 19.1-23.39

 Discurso: Os ensinos escatológicos de Jesus 24.1-25.46

A narrativa da Paixão 26.1-27.66

A narrativa da ressurreição 28.1-20


4. EVANGELHO DE MARCOS

O Evangelho de Marcos reflete a doutrina que Pedro, testemunha presencial dos acontecimentos, espontâneo e atento, ministrava à sua comunidade de Roma. É o mais breve dos quatro e situa-se no Cânon entre os dois mais extensos, Mateus e Lucas. Até o século XIX, Marcos foi pouco estudado e comentado, para não dizer praticamente esquecido. Santo Agostinho considerava-o como um resumo de Mateus.

A investigação mais aprofundada desde o século passado, à volta da origem dos Evangelhos, trouxe Marcos à luz da ribalta; hoje, é geralmente considerado o mais antigo dos quatro. Na verdade, supõe uma fase mais primitiva da reflexão da Igreja acerca do Acontecimento Cristo, que lhe deu origem; e só ele conserva o esquema da mais antiga pregação apostólica, sintetizada em Atos 1,22: começa com o Batismo de João (1,4) e termina com a Ascensão do Senhor (16,19).

É comum afirmar-se que todos os outros Evangelhos, sobretudo os Sinóticos, supõem e utilizaram mais ou menos o texto de Marcos, assim como o seu esquema histórico-geográfico da vida pública de Jesus: Galiléia, Viagem para Jerusalém, Jerusalém.

4.1 Conteúdo Geral

Marcos reuniu diversas tradições que a comunidade conservava a respeito de Jesus: milagres, expulsão de demônios, parábolas e outras palavras de Jesus, como também o imponente relato da Paixão. Organizou tudo isso em forma de narrativa bem simples: Jesus, depois de Batizado por João Batista, proclama a chegada do Reino de Deus, primeiro na região da Galiléia e, depois (a partir de 10.1), subindo para Jerusalém, onde entra em conflito com as autoridades e morre na cruz.

Esse relato tão simples representa, na verdade, uma verdadeira pedagogia da fé:

Marcos anuncia a Boa Nova de Jesus Messias (= Cristo) e Filho de Deus (1.1).

 Num primeiro momento, antes da confissão de Pedro (1.2-8,26), Jesus suscita admiração pela palavra que ele profere “com autoridade, e não como os escribas” (1.22), palavra confirmada pelos milagres: Quem é este, a quem obedecem até o vento e o mar? (4.41). Jesus impõe o “segredo messiânico”: os que o reconhecem como enviado de Deus não devem publicá-lo (1.34; 3.12 etc.), pois antes fim do caminho é impossível entender em que sentido Jesus é Messias e Filho de Deus.

 Pela metade do caminho Jesus pergunta: “Quem dizem as pessoas que eu sou? Pedro responde: “Tu és o Messias (o Cristo)” (8.29). A partir daí, Jesus tenta mostrar aos discípulos que ele é um “Messias diferente”. Nunca se chama, a si mesmo, de Messias, mas sim, “Filho do Homem” (8.31 etc.): aquele que de Deus recebe o poder sobre os impérios deste mundo, conforme a profecia de Daniel 7.13-14. Todavia, Jesus não é um Messias que subjuga e domina, mas o Servo Sofredor da profecia de Isaias (Is 53; cf. Mc 10,45). Isso é narrado no quadro de uma caminhada rumo a Jerusalém, batizada pelos anúncios da Paixão (8.31ss; 9.30ss; 10.32ss). Esse é o “caminho” de Jesus e daqueles que o querem seguir: no fim deste caminho está a proclamação do militar romano: “Este era verdadeiramente Filho de Deus” (15.54) – e a ressurreição (cap. 16), que é ao mesmo tempo o novo inicio para a comunidade, na Galiléia.

4.2 Estrutura

Item I – Quem é este? Que Reino é esse que ele anuncia?

1.1-13 - João Batista o arauto e precursor
1.14_3,35 - O inicio na Galiléia
4.1_8,26 - Palavra e gestos do Reino

Messias? (8.29)

Item II – O Messias diferente: Filho do Homem, Servo e Filho de Deus

8.27_10,52 - O caminho de Jerusalém
11.1_13.37 - Atividade em Jerusalém
14.1_16.20 - Paixão, morte e ressurreição

4.3 Temas Específicos

 O “Evangelho kerigmático”. Marcos retrata como nenhum outro o primeiro anuncio (kerigma) que os apóstolos (aquele que ensina), dirigiam aos seus contemporâneos. Ainda para nós hoje, conserva o sabor do primeiro anúncio e é capaz de renovar o impacto de Jesus no nosso cristianismo (conjunto de religiões cristas, baseadas nos ensinamentos, pessoa e vida de Jesus Cristo), que está um pouco “gasto”.

 O Reino de Deus já. O que Jesus anuncia é o Reino de Deus já (1.15). Para ver o que significa é preciso ler o evangelho e ver o que Jesus faz: isso é o reino que ele traz presente.

 O Temor diante da santidade de Deus que se manifesta em Jesus, nas expulsões de demônios, na autoridade/poder de Jesus, diante do sepulcro vazio depois da ressurreição (16.8).

 O “segredo Messiânico”. Em Marcos, os demônios expulsos percebem que Jesus é o Messias, mas Ele proíbe que o publiquem. Do mesmo modo, os discípulos depois da profissão de fé e a Transfiguração (8.30; 9.9). Pois é impossível entender em que sentido Jesus é o Messias e qual o seu reino, antes de ver seu dom da própria vida, na cruz, e sua ressurreição.

O Filho do Homem e Servo Sofredor. Jesus não se chama a si mesmo de Messias, mas de Filho do Homem, o enviado humano de Deus (8.31; 14.62; cf. Dn 7.13); e ele realiza esta sua missão dando sua vida “por muitos” (10,45; 14,24), como o Ser Sofredor de Is 53.

4.4 Teologia

Tal como os outros evangelistas, Marcos apresenta-nos a pessoa de Jesus e o grupo dos discípulos como primeiro modelo da Igreja.

O começo e o epilogo do Evangelho de Marcos, projetam luz plena sobre a figura de Jesus. Ele é o “Evangelho”, enquanto Cristo “Messias” que dá cumprimento às promessas divinas, e Filho de Deus (1.1), amado do Pai que o planifica com o seu Espírito (1.9-11), é o mais forte, a quem o Batista não pode desatar as sandálias, vencedor de satanás no deserto, e da morte na Ressurreição.

4.5 A Estrutura Literária

Uma estrutura fundada apenas sobre elementos geográficos com uma divisão tripartite (Galiléia, Samaria, Jerusalém) é, antes, genérica e não demonstrável em sua essência; já, por outro lado, um vinculo muito rígido entre as partes deixa a impressão de estar forçando textos.

4.6 Evangelho de Jesus Cristo, segundo Marcos

O Evangelho segundo Marcos é o mais antigo dos Evangelhos canônicos (ver Mateus, Intr.). Conforme a tradição eclesial, o autor é João Marcos, filho de certa Maria, em cuja casa se reunia a comunidade de Jerusalém. João Marcos, de origem judaica, era primo de Barnabé e foi colaborador de Paulo e Pedro (At 12.12; 13.5; 15.36-39; IPd 5.13). A tradição nos informa que ele escreveu seu Evangelho em Roma por volta do martírio de Pedro (65 dC). Esta data de composição é confirmada pelas alusões à Guerra Judaica e à destruição de Jerusalém (66-73 dC), que se podem reconhecer sobretudo no cap. 13 de Mc.

É a Tradição (o que é passado, vivido, vivenciado) viva da Igreja que nos faz compreender adequadamente a Sagrada Escritura como Palavra de Deus.

Nesses anos, as testemunhas e os discípulos diretos de Jesus, pregadores do Evangelho oral, estavam desaparecendo. Marcos consignou por escrito a pregação deles, criando o gênero literário do Evangelho escrito. Respondeu assim às dúvidas que rodeavam a comunidade e forneceu ao mesmo tempo um “manual” para o novo impulso missionário e a expansão da comunidade. As explicações de usos judaicos (cap. 7) mostram que entre seus leitores havia pessoas que não eram de origem judaica.

A melhor maneira de sustentar a fé da comunidade é esclarecê-la. Para tanto é preciso voltar sempre àquilo que Jesus disse e fez. Repetindo o primeiro anúncio, Marcos “reevangeliza” a comunidade em crise. Mostra que Jesus não é um messias de sucesso fácil (o “Messias esperado”), mas um messias diferente (o “Messias inesperado”). Nem mesmo seus discípulos o compreenderam, até que ele levasse a termo sua obra. Jesus é o Filho do Homem, o Servo do Senhor; o Filho de Deus fiel até a morte por amor e exaltado por Deus na ressurreição, para conduzir novamente o seu rebanho, na “Galiléia” do mundo (cf. Mc 16.7).

4.7 A trilogia inicial

Os primeiros versículos com a primeira sumarização (1.2-15) contem, em síntese, todo o Evangelho e constituem uma manifestação que espera por uma resposta.

 O Batista (1,2-8). Marcos fala do Batista para falar de Jesus e por meio dele faz evocar acontecimentos de pessoas do Antigo Testamento. Isaias, Malaquias, (“Eis que envio o meu mensageiro na tua frente para preparar o teu caminho”) (Mc 1,2). Segue-se a evocação do grande Elias cujas características de simplicidade no vestir-se e no comer são empregadas para apresentar o Batista. Este, à luz de Isaias e Elias, desempenha o papel de precursor.

 O batismo (1,9-11). Jesus parece um homem comum, que se desloca de sua localidade (Nazaré), da sua região (Galiléia) para cumprir um rito como os demais, a imersão nas águas, tomando João como testemunha da vontade de conversão. Quando Marcos escreve, a Igreja já entendia bem claramente a inocência de Jesus, como também que ele era tratado como pecador, em certo sentido, em nosso lugar: “Aquele que nada tinha a ver com o pecado, Deus o fez pecador por causa de nós, a fim de que por meio dele sejamos reabilitados por Deus (2Cor 5,21). O Batismo assinala o inicio do caminho de Jesus ao lado do homem pecador.

 A tentação (1,12-13). Marcos é muito breve e não especifica as três tentações relatadas por Mateus e Lucas. Jesus cumpriu sua missão mediante uma luta continua contra “satanás”, chamado “diabo” por Mateus e Lucas. Marcos vê aqui o inicio de uma vida atribulada, mas terminando de modo vitorioso, diferentemente do que acontece com o povo derrotado e medroso.

4.8 O mistério do Messias (1.14-8,30)

Essa parte é claramente delimitada pela intervenção de Pedro: “Tu és o Cristo” (8.27) e compreende três secções.

Duas constantes marcam esta primeira parte: a resposta a pregação de Jesus e a injunção formal do silencio da por Jesus diante do milagre e do reconhecimento de sua identidade. As reações dos interlocutores do mestre são negativas. Predominam o não- conhecimento, a incompreensão em parecer estupidez; os fariseus e herodianos têm por objetivo matar Jesus (3.6); o seus, diferentes dos que estão fora (4.11), têm dificuldades em superar a linguagem obscura das parábolas, são medrosos e têm pouca fé (4.40), os concidadãos de Nazaré se admiram, ficam escandalizados, não crêem (6.2.3.6). O “segredo messiânico” é recomendado quando acontece o milagre (7.36), diante do reconhecimento de Jesus como Santo de Deus (1.24), Filho de Deus (3,11), filho do Deus altíssimo (5,7). Por ultimo, Pedro, que dá uma resposta intelectualmente perfeita, revela-se como alguém que não compreendeu nada; é, na verdade, chamado “satanás” (8.33). A incompreensão e o segredo messiânico apontam nitidamente para a Cruz.

4.9 O Mistério do Filho do Homem (8.31 – 15.39)

Apenas mencionado na primeira parte (2.10,28), é agora amplamente atestado o titulo de Filho do Homem (8.31.38; 9.12.31; 10.33,45; 13.26; 14.21(bis).62) que destaca em sentido clarividente a afirmação do centurião ao pé da Cruz de “Filho de Deus” (15.39). A debilidade da fé e da compreensão manifestada em relação à missão de Jesus continua agora nos confrontos com o seu destino, claramente aceito na profissão de fé do cego de Jericó (10.46-52). Também aqui aparecem três seções que dizem respeito ao tríplice anuncio da paixão (8.31 – 10.52) capaz de moldar a vida dos discípulos, o julgamento a respeito de Jerusalém (11.1-13,27), preparado por controvérsias (cap. 12) e presente no discurso escatológico (cap. 13), a revelação do segredo messiânico na paixão e na morte (14.1-15,39).

5. EVANGELHO DE LUCAS

O Evangelho de Lucas é o terceiro dos quatro Evangelhos canônicos do Novo Testamento, que narra à história da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Possui 24 capítulos. Evangelista cristão de formação grego nascido em Antioquia, na Síria, artífice de cultura helenista e do terceiro dos evangelhos sinóticos, mas, que escreve baseado em nascente judaica. Ele registra uma linguagem cuja beleza sobrevive à tradução, tornando seus textos um cunho de maior expressão literária do Novo Testamento.

Por seu estilo literário acredita-se que pertencia a uma família culta, desempenhava a profissão de médico (Cl 4:14), converteu-se ao cristianismo e tornou-se discípulo e amigo de Paulo de Tarso. Compromissado com a verdade, Lucas era homem bem cortês, e dotado de mente cientifica, entendia que a fé religiosa não podia ser instituída sobre mitos, lendas ou meias verdades. Portanto muito se esforçou para escrever um relato completo, exato e em ordem, dizendo o que pretende, narrando de forma ordenada os acontecimentos para que se possa verificar a solidez dos ensinamentos recebidos (Lc 1:3-4). Objetivando mostrar quem é Jesus de Nazaré, o que Ele fez e ensinou conseqüentemente o que significa segui-lo.

Na verdade, ele escreveu dois livros. O primeiro foi o seu Evangelho, cuja autoria lhe foi atribuída por tradições antigas e reconhecidas e que, quase com absoluta certeza, é o “primeiro livro” mencionado no início de Atos. Desse modo, Atos foi o seu segundo livro. Os dois formam um par óbvio, ambos são dedicados a Teófilo e escritos no mesmo estilo literário grego.

Com o terceiro evangelho, estamos diante de uma literária de um “cronista”. Trata-se, de um evangelho, quer dizer de uma obra nascida da fé de uma comunidade e fundada sobre uma tradição, muito mais do que de uma obra individual: mas a personalidade literária do autor aparece muito mais do que nos outros evangelhos.

Os tradicionalistas apontam para o fato de que o mais antigo manuscrito que reteve sua página de abertura, o Papiro de Bodmer XIV (datado de cerca de 200 D.C.), proclama que aquele é o euangelion kata Loukan, e a tradição subseqüente não foi quebrada. A opinião crítica, expressa por Udo Schnelle, é que "as numerosas concordâncias lingüísticas e teológicas e referências cruzadas entre o Evangelho de Lucas e os Atos indicam que ambas as obras derivam do mesmo autor”.

O evangelista não afirma ter sido testemunha ocular da vida de Jesus, mas assegura ter investigado tudo cuidadosamente e ter escrito uma narrativa ordenada dos fatos (Lucas 1, 1-4). Os autores dos outros três Evangelhos, Mateus, Marcos e João, provavelmente usaram fontes similares. De acordo com a hipótese das duas fontes, que é a solução comumente mais aceita para o problema dos sinóticos, as fontes de Lucas incluíram o Evangelho de Marcos e uma coleção de escritos perdidos, conhecida pelos acadêmicos como Q, a Quelle ou "documento fonte". O consenso geral é que o Evangelho de Lucas foi escrito por um grego para os cristãos gentios, ou seja, que não eram judeus.

Lucas declara no prólogo de seu evangelho (1.1-4) que fizera um estudo intensivo sobre os acontecimentos relatados a fim de ser capaz de escrever um relato digno de confiança. Seu prólogo ensina claramente que ele não somente consultou aqueles que tinham conhecimento pessoal da verdade concernente ao evangelho, mas que ele mesmo teve acesso a um número bastante bom de documentos escritos que continham informação autoritativa dada por testemunhas oculares dignas de confiança (Lc. 1.2).

Lucas também tem muitos relatos de milagres e muitas parábolas. Estas enfatizam o poder e o ensino de Jesus. Lucas tem mais parábolas que qualquer outro evangelho. A maioria trata ou do plano de Deus ou da vida do discípulo. A explicação dos seus milagres e do significado está em 7.18-35 e 11.14-23.

Lucas escreveu sua obra em dois volumes sobre a origem do cristianismo, podemos sugerir pelo menos uma resposta. Ele escreveu como um historiador cristão, que pesquisou e investigou tudo o que havia acontecido. Só Lucas menciona o choro de Jesus por Jerusalém, numa demonstração de sensibilidade humana.

Em sua apresentação de Jesus como homem, Lucas menciona a genealogia do Senhor até Adão. Fica demonstrada a humanidade de Cristo. A genealogia é uma forma de demonstrar que Cristo não apareceu magicamente, mas nasceu de uma descendência, embora de modo sobrenatural. Lucas oferece mais informações sobre o nascimento e a infância de Jesus do que os outros evangelhos.

Lucas destaca a atitude ou menção amável de Cristo em relação: aos pobres (6.20); à mulher pecadora (7.37); mendigos (16.20-21); samaritanos (10.33); leprosos (17.12 – narrativas exclusivas); publicanos e pecadores (17.12); O ladrão na cruz (23.43 – narrativas exclusivas).

5.1 Lucas, o historiador

“Visto que muitos houve que empreenderam uma narração coordenada dos fatos que entre nós se realizaram, conforme nos transmitiram os que desde o princípio foram deles testemunhas oculares, e ministros da palavra, igualmente a mim me pareceu bem, depois de acurada investigação de tudo desde sua origem, dar-te por escrito, excelentíssimo Teófilo, uma exposição em ordem, para que tenhas plena certeza das verdades em que foste instruído”. (Lc 1.1-4)

Nessa importante declaração, Lucas esboça cinco estágios sucessivos:

Primeiro vêm os eventos históricos. Lucas os chama de certos “fatos que entre nós se cumpriram” (vs. 1). E se a tradução for correta, isso parece indicar que esses eventos não ocorreram por acaso nem de forma inesperada, mas se realizaram para cumprir a profecia do Antigo Testamento.

Depois, Lucas menciona as testemunhas oculares contemporâneas, pois os fatos “que desde o principio foram deles testemunhas oculares, e ministros da palavra” (vs. 2). Aqui, Lucas exclui sua própria pessoa, pois, apesar de ter sido uma testemunha ocular de grande parte daquilo que relatará na segunda parte de Atos, ele não pertencia ao grupo de pessoas que eram testemunhas oculares “desde o princípio”. Eles eram os apóstolos, testemunhas oculares do Jesus histórico que transmitiram (o significado de “tradição”) aos outros os que tinham visto e ouvido.

O terceiro estágio é a investigação pessoal de Lucas. Apesar de pertencer à segunda geração, que recebeu a “tradição” sobre Jesus das testemunhas oculares, os apóstolos, ele não aceitou sem questioná-la. Pelo contrário, fez uma “acurada investigação de tudo desde a origem” (vs 3)

Em quarto lugar, depois dos acontecimentos, da tradição das testemunhas oculares e da investigação, vem à escrita. “Muitos houve que empreenderam uma narração coordenada dos fatos” (vs. 1), diz ele, e agora “igualmente a mim me pareceu bem escrever uma exposição em ordem” (vs. 3). Entre os “muitos” autores, sem dúvida alguma, incluíam-se Marcos.

Em quinto lugar, o escrito destinava-se a leitores, entre eles, Teófilo, a quem Lucas se dirige: “para que tenhas plena certeza das verdades em que fostes instruídos” (vs. 4). Assim, os acontecimentos que haviam se cumprido, tinham sido testemunhados, transmitidos, investigados e escritos, deveriam ser (e ainda são) a base da fé e da certeza cristã.

5.2 Ordem da narração

O Evangelho de Lucas, assim como os outros, não segue uma ordem histórica. Não pretende narrar os fatos na mesma ordem em que foi acontecendo, nem tão pouco tem uma ordem geográfica, mas principalmente uma ordem teológica.

Apesar de seguir o Evangelho de Marcos como modelo, em vários momentos afasta-se da sua ordem para manter a impressão de que a partir de 9.51, Jesus vai a caminho de Jerusalém. Ainda em dois momentos, separa-se de Marcos, para introduzir material que obteve de uma fonte também utilizada por Mateus e de suas fontes próprias. São dois parêntesis que se abrem: Menor: Lucas 6.20 – 7.50; Maior: Lucas 9.51 – 18.14. Aquilo que se encontra dentro destes dois parêntesis não está no Evangelho de Marcos.

No Livro dos Atos pode-se perceber que trabalha com material recolhido de diferentes comunidades (judaicas, helenistas, diários de viagem, etc.), mas como não há outro livro que com o qual se possa comparar, é muito difícil determinar quais são as fontes que utiliza.

Lucas insiste que o fim da viagem é Jerusalém (Lucas 9.51; 13.22; 17.11), porque são ali onde se devem cumprir as Escrituras (18.31), e onde devem permanecer os discípulos depois da Ascensão (Lucas 24.49; Atos 1.4) até que recebam a prometida vinda do Espírito Santo.

Depois da Ressurreição e Ascensão de Cristo, vem a segunda parte do livro: Os Atos dos Apóstolos. Nesta segunda parte, a ordem é inversa: os discípulos recebem o Espírito Santo em Jerusalém, e é daí que partem para a predicação do Evangelho: “Começando por Jerusalém… devia predicar-se a todas as nações” (Lucas 24.47); “Mas ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo”. (Atos 1.8)

Depois da passagem do dia de Pentecostes (Atos 2.1-41), a Igreja começa a expandir-se gradualmente. Em primeiro lugar no ambiente judaico (Atos 3 e 5), mais tarde são evangelizados os samaritanos (Atos 8.4-25), um eunuco etíope prosélito (Atos 8.26-40). Finalmente, a Palavra é anunciada a Cornélio, o primeiro pagão a receber o batismo (Atos 10). Daí em diante começa a missão junto aos pagãos, levada a cabo por São Paulo que foi eleito e enviado pelo Espiríto Santo (At 13. 2-4).

No Evangelho, o relato concentra-se em Jerusalém, no Livro dos Atos, alarga-se a partir de Jerusalém, seguindo pela Judéia, Sumária, Ásia Menor, Grécia e finalmente Roma.

Quando São Paulo chega a Roma, Lucas pode por um ponto final na sua obra. Já se cumpriram as profecias messiânicas: Jesus morreu, ressuscitou, e pregou-se o Evangelho a todas as nações, começando por Jerusalém (Lucas 24, 46-47).

5.3 Características

As características dos evangelhos vão variando de acordo com a "lente" pessoal do autor. Os assuntos que interessam aos destinatários, sua profissão pessoal, a ênfase que deseja dar à mensagem, tudo isso vai moldando o livro.

Pelo menos seis dos milagres de Jesus são exclusivos do Evangelho de Lucas. São eles: uma pesca milagrosa (5:1-6); a ressurreição do filho duma viúva, em Naim (7:11-15); a cura duma mulher encurvada (13:11-13); a cura dum homem que sofria de hidropisia (14:1-4); a purificação de dez leprosos (17:12-14) e a restauração da orelha do escravo do sumo sacerdote. — 22:50, 51.

Também exclusivas no relato de Lucas são algumas das parábolas de Jesus. Estas incluem: os dois devedores (7:41-47); o samaritano prestativo (10:30-35); a figueira estéril (13:6-9); a lauta refeição noturna (14:16-24); o filho pródigo (15:11-32); o rico e Lázaro (16:19-31); e a viúva e o juiz injusto. — 18:1-8.

 Lucas apresenta mais parábolas que os outros evangelhos. Mateus inclui 15; Marcos 4 e Lucas 23, dentre as quais duas são exclusivas: O Filho Pródigo e a Dracma Perdida. O caráter dessas duas parábolas confirma o texto chave.

 Lucas apresenta tom poético, exultante, festivo. Só ele registrou os cânticos, orações e declarações de Zacarias, Isabel, Maria, Simeão e dos anjos.

 A universalidade do evangelho é uma tônica do livro – 2.32; 3.6; 24.47. O autor mostra a receptividade de Cristo para com todo tipo de pessoas: Samaritanos – 9.52-56; Pagãos (2.32; 3.6-8); Judeus (1.33; 2.10); Mulheres; Publicanos; Pessoas respeitáveis (7.36; 11.37; 14.1); pobres (1.53; 2.7; 6.20); ricos (19.2; 23.50). Mateus até cita alguns desses fatos, mas Lucas entra em detalhes.

 O livro enfatiza a oração em parábolas e relatos: o amigo importuno (11.5-8); o juiz iníquo (18.1-8); o fariseu e o publicano (18.9-14 – narrativa exclusiva). Além disso, menciona várias orações de Jesus. Mateus se referiu a 3 orações do Mestre. Marcos citou 4, João, também 4. Lucas apresenta 11 momentos de oração de Cristo: No batismo (3.21); no deserto (5.16); antes de escolher os discípulos (6.12); na transfiguração (9.29); no Getsêmani (22.44); na cruz (23.46). etc.

 Lucas honra a mulher em seu livro: Isabel e Maria (1); Marta e Maria (10); Filhas de Jerusalém (23.27 – narrativa exclusiva); As viúvas (2.37; 4.26; 7.12; 18.3; 21.2).

 Observa-se nesse evangelho um equilíbrio de conteúdo: 23 parábolas, 20 milagres, e uma boa quantidade de texto biográfico.

 O livro de Lucas é mais literário e mais bonito que os outros evangelhos. Comparando, podemos dizer que Mateus é didático e religioso. Marcos é teatral e prático. Lucas é biográfico e literário. O aspecto literário indica a habilidade de trabalhar com as palavras. Lendo nossas traduções portuguesas não notamos grande diferença literária entre os evangelhos. Isso ocorre porque o trabalho do tradutor produziu o efeito de um filtro. Agora, vemos mais a característica literária do tradutor e menos a do autor. Contudo, ainda é possível se apreciar a beleza do evangelho de Lucas. Observe-se, por exemplo, a introdução (Lc.1.1-4). Apresenta um cuidado e um arranjo que evidenciam o alto nível intelectual do autor.

 Lucas escreve em ordem cronológica semelhante a Marcos (Lc. 1.3).

Essas jóias do Evangelho de Lucas provam que ele é singular e instrutivo. Os incidentes registrados ajudam-nos a reviver eventos tocantes na vida terrestre de Jesus. Beneficiamo-nos também das informações de como eram certos costumes. Contudo, seremos especialmente abençoados se realmente aplicarmos tais lições, como as sobre misericórdia e humildade, tão bem ensinadas neste Evangelho de Lucas, o médico amado.


6. EVANGELHO DE JOÃO

Este Evangelho tem características muito próprias, que o distinguem dos Sinóticos. Mesmo quando refere idênticos acontecimentos, João apresenta perspectivas e pormenores diferentes dos Sinóticos. Não obstante, enquadra-se, como estes, no mesmo género literário de Evangelho e conserva a mesma estrutura fundamental e o mesmo carácter de proclamação da mensagem de Jesus.

6.1 Gênero Literário

O gênero literário do evangelho de João é exatamente este _ um evangelho. A palavra em portugues é uma transliteração do grego evangellion, que literalmente significa “boas noticias”. Com referencia aos quatro evangelhos no N. T, o que temos é uma narrativa de das boas novas de Jesus Cristo. João fez uso de muitas figuras da poesia hebraica, com destaque para o paralelismo. O evangelho de João não contém parabolas, como Mateus, Marcos e Lucas, mas apresenta muitas alegorias usada por Jesus em seu ministério de ensino.

6.2 Um evangelho original

Alguns temas importantes dos Sinóticos não aparecem aqui: a infância de Jesus e as tentações, o sermão da montanha, o ensino em parábolas, as expulsões de demónios, a transfiguração, … Por outro lado, só João apresenta as alegorias do bom pastor, da porta, do grão de trigo e da videira, o discurso do pão da vida, o da ceia e a oração sacerdotal, os episódios das bodas de Caná, da ressurreição de Lázaro e do lava-pés, os diálogos com Nicodemos e com a samaritana…

Ao contrário dos Sinóticos, em que toda a vida pública de Jesus se enquadra fundamentalmente na Galileia, numa única viagem a Jerusalém e na breve presença nesta cidade pela Páscoa da Paixão e Morte, no IV Evangelho Jesus atua sobretudo na Judeia e em Jerusalém, onde se encontra pelo menos em três Páscoas diferentes (2,13; 6.4; 11.55; ver 5,1).

O vocabulário é reduzido, mas muito expressivo, de forte poder evocativo e profundo simbolismo, com muitas palavras-chave: verdade, luz, vida, amor, glória, mundo, julgamento, hora, testemunho, água, espírito, amar, conhecer, ver, ouvir, testemunhar, manifestar, dar, fazer, julgar...

Mas a grande originalidade de João são os discursos. Nos Sinóticos, estes são pequenas unidades literárias sistematizadas; aqui, longas unidades com um único tema (3.14-16; 4.26; 10.30; 14.6).

O estilo é muito característico, desenvolvendo as mesmas ideias de forma concêntrica e crescente. Assim, os temas da “Luz”: 1.4,5,9; 3.19-21; 8.12; 9; 11.9-10; 12.35-36.46; da “Vida”: 1.4; 3.15-16; 5.1-6; 10.10.17-18.28; 11.25-26; 12. 25-50; da “Hora”: 2.4; 5.25.28; 7.30; 8.20; 12.23.

Tem um caráter dramático. Depois de tantos anos, Jesus continua a ser rejeitado pelo seu próprio povo (1,11) e os judeus cristãos a serem hostilizados pelos judeus incrédulos (9.22.34; 12.42; 16.2). O homem aceita a oferta divina e tem a vida eterna, ou a rejeita e sofre a condenação definitiva (3.36).

Apesar disso, todo o Evangelho respira serenidade e vai ao ponto de transformar as dúvidas em confissões de fé (4.19-25; 6.68-69), os escárnios em aclamações (19.3.14) e a infâmia da cruz num trono de glória (3.14; 8.28; 12.32). Para isso, o evangelista serve-se dos recursos literários da ironia (3.10; 4.12; 18.28), do mal-entendido (2.19-22; 3.3; 4.10.31-34; 6.41-42.51; 7.33-36; 8.21-22,31-33,51-53,56-58), das antíteses (luz-trevas, verdade-mentira, vida-morte, salvação-condenação, celeste-terreno) e das expressões com dois sentidos: do alto ou de novo (3.3), pneuma (3.8), no sentido de vento e espírito, erguer para significar crucificar e exaltar, ver no sentido físico e espiritual, água viva, etc..

Outra característica é o simbolismo, que pertence à própria estrutura deste Evangelho, organizado para revelar tudo o que nele se relata: milagres, diálogos e discursos. Assim, os milagres são chamados “sinais”, porque revelam a identidade de Jesus, a sua glória, o seu ser divino e o seu poder salvador, como pão (6), luz (9), vida e ressurreição (11), em ordem a crer nele; outras vezes são “obras do Pai”, mas que o Filho também faz (5.19-20.36).

6.3 Composição e autor

Embora seja evidente a unidade da obra e o seu fio condutor, notam-se algumas pequenas irregularidades. A mais surpreendente é uma dupla conclusão (20.30-31; 21.24-25); o capítulo 16 parece uma repetição do 14; em 14.31 Jesus manda sair do lugar da ceia e só em 18.1 é que de fato saem... Isto leva a pensar que a obra não foi redigida de uma só vez.

Este Evangelho tem na base uma testemunha ocular «que dá testemunho destas coisas e que as escreveu» (21.24; ver 19.35). O autor esconde-se atrás de um singular epíteto: «O discípulo que Jesus amava» (13.23; 19.26; 20.2; 21.24; ver 1.35-39; 18.15). A tradição, a partir de Ireneu, é unânime em atribuir o IV Evangelho a João, irmão de Tiago e filho de Zebedeu, um dos Doze Apóstolos.

A análise interna deixa ver que o autor era judeu e tinha convivido com Jesus. Não constitui problema para a autoria joanina o fato de João ser um pescador, iletrado; então, era corrente não ser o próprio autor a escrever a sua obra. Também é provável que um grupo de discípulos interviesse na redação, sob a sua orientação e autoridade; daí a primeira pessoa do plural «nós», que por vezes aparece (3.11; 21.,24).

Foi este o último Evangelho a ser publicado, entre o ano 60 e 90 d.C. Não pode ser uma obra tardia do século II, como pretendeu a crítica liberal do século passado; a sua utilização por Inácio de Antioquia, martirizado em 107, e a publicação em 1935 do papiro de Rylands, datado de cerca do ano 120, desautorizou tal pretensão.

Tem-se discutido muito acerca do meio cultural de que depende; mas devemos ter em conta a sua grande originalidade e a afinidade com o pensamento paulino das Cartas do cativeiro. Os discursos de auto-revelação, que não aparecem em toda a Bíblia, não procedem dos escritos gnósticos e mandeus (parece serem estes que imitam João); têm raízes no Antigo Testamento, sobretudo nos livros sapienciais, onde a Sabedoria personificada se auto-revela falando na primeira pessoa (Pr 8.12-31; Sb 6.12-21).

6.4 Valor histórico

Chamar “sinais” aos milagres é indicar que se trata de fatos significativos e não de meros símbolos. Com efeito, o próprio Jesus se proclama testemunha da verdade (18.37) e o texto apoia-se numa testemunha ocular. É um testemunho que não se confina a meros acontecimentos históricos, pois tem como objeto a fé na pessoa e na obra salvadora de Jesus; mas brota de acontecimentos vistos por essa testemunha (19.35; 20.8; 21. 24).

Ao incluir alguns termos aramaicos e uma sintaxe semita, mostra que é um escrito ligado à primitiva tradição oral palestinense. Por outro lado, os muitos pormenores relativos às instituições judaicas, à cronologia e geografia, provam o rigor da informação, às vezes confirmada por descobertas arqueológicas. Sem as informações de João, não se poderiam entender corretamente os dados dos Sinóticos.

Se fosse apenas uma obra teológica, o autor não teria o cuidado constante de ligar o relato às condições reais da vida de Jesus. Uma contraprova do seu valor histórico: quando não possui dados certos, não inventa. Assim, no período anterior à Encarnação, fala da preexistência do Verbo, mas nada diz da sua vida no seio do Pai, como seria de esperar.

6.5 Divisão e Conteúdo

A concepção desta obra obedece a uma linha de pensamento teológico coerente e unificadora. Face aos vários esquemas propostos, limitamo-nos a assinalar as unidades do conjunto para deixar ver um pouco da sua riqueza e profundidade:

Prólogo (1.1-18): uma solene abertura, que anuncia as ideias mestras.

I. Manifestação de Jesus ao mundo (1.19-12.50), como Messias, Filho de Deus, através de sinais, discursos e encontros. Distinguem-se aqui cinco grandes secções:

1. Primeiro ciclo da manifestação de Jesus: 1.19, 4.54. Semana inaugural.

2. Jesus revela a sua divindade: Ele é «o Filho», igual ao Pai: 5.1-47

3. Jesus é «o Pão da Vida»: 6.1-71.

4. Jesus é «a luz do mundo»: grandes declarações messiânicas por ocasião das festas das Tendas e da Dedicação: 7.1, 10.42.

5. Jesus é «a vida» do mundo: 11,1-12,50.

II. Revelação de Jesus aos seus (13.1-21,25): manifestação a todos como Messias e Filho de Deus através do “Grande Sinal”, por ocasião da sua Páscoa definitiva.

6. A Última Ceia: 13.1-17,26.

7. Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus: 18.1-20,29.

Epílogo (20.30, 21.25): dupla conclusão. Aparição na Galileia.

6.6 Propósito Teologico

Este Evangelho propõe-se confirmar na fé em Jesus, como Messias e Filho de Deus (20. 30-31). Destina-se aos cristãos, na sua maioria vindos do paganismo (pois explica as palavras e costumes hebraicos), mas também em parte vindos do judaísmo, com dificuldades acerca da condição divina de Jesus e com apego exagerado às instituições religiosas judaicas que se apresentam como superadas (1.26-27; 2.19-22; 7.37-39; 19.36). Sem polemizar contra os gnósticos docetas, que negavam ter Jesus vindo em carne mortal (I Jo 4.2-3; 5.6-7), João não deixa de sublinhar o realismo da humanidade de Jesus (1.14; 6.53-54; 19.34). Por outro lado, é um premente apelo à unidade (10.16; 11.52; 17.21-24; 19.23) e ao amor fraterno entre todos os fiéis (13.13.15.31-35; 15.12-13).

João pretende dar-nos a chave da compreensão do mistério da pessoa e da obra salvadora de Jesus, sobretudo através do recurso constante às Escrituras: «Investigai as Escrituras (...): são elas que dão testemunho a meu favor» (5.39). Embora seja o Evangelho com menos citações explícitas do Antigo Testamento, é aquele que o tem mais presente, procurando, das mais diversas maneiras, extrair-lhe toda a riqueza e profundidade de sentido em favor de Jesus como Messias e Filho de Deus, que cumpre tudo o que acerca dele estava anunciado por palavras e figuras (19.28-30).

Além destes temas fundamentais da fé e do amor, João contém a revelação mais completa dos mistérios da Trindade e da Encarnação do Verbo, o Filho no seio do Pai, o Filho Unigénito, que nos torna filhos de Deus; a doutrina sobre a Igreja (10.1-18; 15.1-17; 21.15-17) e os Sacramentos (3.1-8; 6.51-59; 20.22-23).

O Evangelho de João é singular em sua maneira de contar e explicar a vida de Jesus. Por exemplo, observa-se a omissão dos relatos dos sinóticos sobre a vida de Jesus: genealogia, nascimento, adolescencia, tentação transfiguração, escolhas dos discipulos, ascesão e Grande Comissão. Encontramos apenas em João Cristo chamado Verbo, criador, cordeiro de Deus e o grande ËU SOU”. Os contrastes entre João e os sinóticos foram avaliados de muitos angulos diferentes por uma ifinidade de interpretes. Talvez a explanação mais sucinta das distinções e dizer que os sinóticos apresentam a teologia de uma perspectiva histórica, enquanto João apresenta a história de uma perspectiva teologica.

O Propósito do evangelho de João não é objeto de especulação. Ele contem o proposito mais claramente expresso em toda a Biblia: Estes [sinais] foram registrados para que creias que Jesus é o Cristo, o filho de deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (20.31). A idéia chave aqui é “crer”, encontrada em João cerca de cem vezes. Isto dá ao evangelho dois propósitos principais: O primeiro é que João procurou colocar as pessoas frente a frente com a vida e com a identidade de Cristo, para que submetessem sua vida à soberania de Jesus. Por isso o principal proposito do evangelho de João é o evangelistico. Segundo lugar, pode-se traduzir “creias” na afirmação de João por “continueis crendo”, o que revela o proposito de fortalecer a família da fé que ja esta andando com Cristo.

O tema Teologico central é a natureza de Jesus Cristo. Esse evangelho nos ensina que o Verbo era Deus, e esse Verbo se tornou carne (1. 1-14). Muitos outros temas teologicos aparecem nesse evangelho. O evangelho de João contém mais ensinamentos sobre o Espiríto que qualquer outro evangelho. A unidade e o testemunho da igreja também são temas que recebem muita atenção.

6.7 O valor Ético e Teologico

Neste evangelho aprendemos muito sobre Deus como Pai. Os crentes da epoca devem a João o habito de se referirem a Deus simplismente como ö Pai”. O Pai esta ativo (5.17), abençoando os que ele criou. Ele é amor (3.16; veja I Jo 4.8-10). Conhecemos o amor porque o vemos na cruz; é doação sacrificial, não para pessoas de mérito, mas para pecadores que nada merecem. Ele é um cuja vontade Deus grande cuja vontade de nos dar a salvação é cumprida. (6.44).

O evangelho Todo enfoca Jesus Cristo. Esta claro que Deus se revelou em Cristo(1.1-18). Deus esta ativo em Cristo, o salvador do mundo, efetuando a salvação que planejou(4.42)

O Evagelho de João fala mais que os outros evangelhos sobre o Espiríto Santo. O Espiríto estava ativo desde o começo do ministerio de Jesus (7.37-39). O Espiríto traz vida (3.1-8), vida da mais alta qualidade (10.10), e conduz os crentes no caminho da verdade (16.13). O Espiríto, assim, universaliza o ministério de Jesus para os cristãos de todas as épocas.

Em resposta a ação de Deus em sua vida, os cristãos devem ser caracterizados pelo amor (13.34-35). Eles devem tudo o que têm ao amor de Deus, e nada é mais apropriado do que responder a esse amor amando a Deus e as outras pessoas.


7. CONSIDERASÕES FINAIS

Atualmente a teoria das fontes e uma teoria defendida pela maioria dos exegetas, para explicar a formação dos Evangelhos sinóticos. Esta teoria afirma o seguinte: Marcos é o mais antigo dos nossos Evangelhos, seguido por Mateus e Lucas, independentemente um do outro, Acredita-se que existiu outro documento especial onde havia Palavras e discursos de Jesus. Esse documento hipotético, que deve ter sido escrito em grego, é chamada “Q”, do alemão Quelle (fonte), teria sido uma fonte usada para compor, juntamente com o Evangelho de Marcos, os Evangelhos de Mateus e Lucas. Quanto ao Engelho de São João foi escrito, em grego, por volta do ano 60 e 90 d.C.

O Evangelho foi anunciado oralmente e depois escrito. Há um intervalo de 30 a 70 anos entre Jesus e o texto definitivo dos Evangelhos. Na verdade Jesus pregou sem deixar nada por escrito, nem tampouco mandou os apóstolos escreverem. A Igreja admite três etapas nesse período de tempo:

1. De Jesus aos Apóstolos - Jesus pregava a Boa Nova usando a linguagem dos rabinos (Parábolas), Após a ressurreição, Cristo investiu os apóstolos da missão de pregar o Evangelho por todo o mundo, o que se deu após o dia de Pentecostes.

2. Dos Apóstolos às primeiras Comunidades cristãs - Jesus morreu e ressuscitou não abandonou os seus discípulos. Enviou o Espírito Santo para orientar os Apóstolos na fiel pregação do Evangelho. Ele mesmo disse “não vos preocupeis com o que haveis de dizer...” A mensagem de Jesus foi levada de Jerusalém para Samaria, Galiléia, Síria, Grécia, Roma ... Até os confins da terra. Depois da morte de Jesus e reunindo comunidades para viver um estilo de vida de acordo com a Palavra e a ação de Jesus.

Essa pregação inicial era chamada de primeiro anúncio, ou Kerigma, era uma pregação curta, que gerava frutos de conversão e a adesão a Jesus, cujo tema central era a vitória de Jesus sobre o pecado e a morte obtida na cruz - Páscoa -, a ressurreição etc...

Depois desse anúncio começava o ensino, isto é, de educação para uma vida segundo a fé. É esta etapa de ensino nas comunidades iniciarem as tradições orais e também os primeiros escritos que formaram mais tarde os Evangelhos, pois a medida que iam pregando o Evangelho, os apóstolos sentiram necessidade de escreverem o que pregavam para facilitar a aprendizagem texto de parábolas, milagre, profecias, narrativas da paixão e ressurreição, para poder transmitir as verdades da fé.

3 Das primeiras Comunidades cristãs aos Evangelhos - Assim os evangelhos são um espelho de ensino que era feita nas primeiras comunidades cristãs. Nesse período as comunidades cristãs passaram a ter um conhecimento mais profundo da Palavra

Das diversas compilações feitas nas Comunidades, quatro foram reconhecidas pela Igreja como canônicas, isto é autêntica Palavra de Deus. Dai surgiu os quatro Evangelhos segundo Mateus, Marco, Lucas e João. Os quatro Evangelhos são semelhantes entre si porque tratam do mesmo Jesus. Apresentam variações diferentes porque nasceram em comunidades diferentes. Os Evangelhos aparecem entre 30 e 70 anos depois da morte de Jesus. A intenção não era fazer uma biografia, uma história de Jesus. Queriam, sim, converter, esclarecer e manter vivo nas comunidades o compromisso com Jesus, recordando suas palavras, sua morte e ressurreição.

Logo, os evangelhos foram inspirados e teve sua origem, autoridade e genuinidade em Cristo, a Palavra encarnada. “Fiel é a Palavra e digna de toda aceitação” (I Tm 1.15).

Autor: Claudia Oliveira


REFERENCIAS


_______________ Bíblia de Jerusalém. São Paulo. Paulus. 2002

ALMEIDA, João F. de. Bíblia de estudo Plenitude. SBB. Rio de Janeiro, 2002.

Apostila. Introdução ao Novo Testamento, Centro de Estudos Teológicos Bet-Hakãm, 2009.

BRUCE, F.F. Merece Confiança o Novo Testamento? Ed. 2ª. São Paulo. Vida Nova 1990.

DAVIDSON,F. O Novo Comentário da Bíblia. Ed 3ª. São Paulo. Vida Nova 1997.

DAVIS, S, Durckery.Ed. Manual Bíblico Vida Nova, Ed. 1ª, Vida Nova. São Paulo, 2001.

DOUGLAS, J.D. O Novo dicionário da Bíblia, Ed 3ª rev. São Paulo. Vida Nova 2006.

LADD, Georger Eldon. Teologia do Novo Testamento. Ed 3ª. São Paulo. Hagnos 2001

RUSSELL, N.Champlim. O Novo Testamento Interpretado, Ed. 5ª, v. 1, Millenium, São Paulo 1985, p. 174.

IV LIVRO DE ESDRAS

INTRODUÇÃO

A Literatura apocalíptica judaica surge em um momento em que a nação de Israel sofre perseguição interna e externa. Para fortalecer a fé da comunidade judaica os judeus piedosos iniciaram esse tipo de literatura usando pseudônimos como forma de externar o julgamento divino aos seus opressores. Essa literatura expandiu-se de tal forma que ultrapassou as fronteiras do judaísmo chegando até o cristianismo primitivo, a mesma trouxe uma imensa contribuição para o desenvolvimento de conceitos religiosos do I século do cristianismo.

A literatura chamada de “apocalíptica” tem recebido uma renovada apreciação nos últimos anos. Entretanto, percebe-se certa confusão terminológica que, por fim, leva a uma classificação equivocada do gênero de certos escritos.

A transmissão do livro de IV Esdras se conserva em tradução latina, siríaca, etíope, árabe, armênia, saídica e georgica que, por sua vez remontam não a um texto aramaico, mas é um texto hebraico. A tradição latina é transmitida inclusive em apêndice da vulgata e segundo Rost (p.123) é procedida de dois capítulos (também chamado quinto livro de Esdras) e seguida de dois outros capítulos (denominados de sexto livro de Esdras) e sem uma seção encaixada entre 7.35-36, que se perdeu com a retirada de uma folha do Codex Sangermanenis escrito em 822.

O referido livro é considerado pseudepígrafo que significa nome falso, era uma prática comum entre os escritos gregos e romanos e tinha intenção de omitir a identidade dos autores para dar creditos aos escritos. Segundo Rost (p.125) o autor não é Salatiel e nem Esdras, mas sim um judeu do final do I século a.C. O IV livros de Esdras tem como data de composição o ano 70 d.C., durante a destruição de Jerusalém que foi tomada por Tito. Neste período II Baruc e IV Esdras foram escritos e tem uma correlação entre si, ambos apocalipse e enfatizam a vinda do Messias dando esperança ao povo judeu e narrando que a vinda do mesmo iria vingar Israel dos seus inimigos. IV Esdras esta situado entre uma introdução (capítulos 1-2) e um final (capítulos de 15-16) e juntos fazem uma obra cristão.

Em se tratando da proposta escatológica IV Esdras e II Baruc são divergentes. Em IV Esdras 7.118 Adão é acusado de ter trazido a desgraça sobre a humanidade; enquanto que em II Baruc 54.19 refuta essa afirmação e diz que Adão foi responsável apenas pela sua própria alma; cada pessoa responde por si; cada pessoa é “seu próprio Adão”.

O conteúdo de IV Esdras e II Baruc coincide em grande parte, mas IV Esdras se apresenta estruturado em sete atos. Dividindo-se em: três extensos diálogos, três visões e uma revelação.

A presente pesquisa tem por finalidade analisar as conceituações e as expressões literárias do IV livro de Esdras, também conhecido como apocalipse de Esdras.

PROPÓSITO E TEOLOGIA

A teologia do IV livro de Esdras apresenta-se em diálogos e visões, sendo que o ultimo torna-se diferente, porém no conjunto se completam.

Os diálogos propõem temas de teodicéia, pondo em questão a justiça e fidelidade de Deus para com o homem esta no estilo do livro de Jó: a resposta é que os planos divinos que incluem o mundo futuro são incompreensíveis para o homem; tão inútil é querer conhecê-los como se o mar e o bosque lutassem entre si para conseguir mais espaço (4.13-21).

As visões apresenta o mundo futuro mediante o triunfo de Israel e a vinda do Messias (13.31-34). Esdras enfatizam a vinda do Messias dando esperança ao povo judeu.

Pérez, Martinez e Fernandez (p 292) afirmam que IV Esdras apresente os mesmos problemas que III Baruc, isso é feito em um tom menos apaixonado e expõem as respostas com mais clareza.


CONTEÚDO TEOLÓGICO
IV Esdras contem sete “visões”, as três primeiras das quais, todavia, são diálogos, enquanto a ultima trata do encargo transmitido a Esdras, por um anjo no sentido de estabelecer por escrito. […] Reuni teu povo e diz-lhe não te procurar durante quarenta dias. Prepara para ti muitas tabuinhas e toma contigo Sarea, Dabria, Selemia, Etano e Asiel; esses cinco porque estão treinados na escrita rápida. (14.23-25) […] Assim durante quarenta dias, 94 livros foram escritos.

Os diálogos são precedidos de oração e jejum (5.20; 6.31); as visões a alimentação de ervas e de flores (9.24; 12.50). Os diálogos foram entre Esdras é o anjo Uriel (4.1).

O primeiro dialogo (3.1-4,19) trata das questões do porque e do sofrimento no mundo, e termina com a perspectiva consoladora da próxima chegada do fim das coisas.

O segundo dialogo (5. 20; 6.34) procura saber o motivo pela qual Deus entregou seu próprio povo bem amado aos pagão, e se refere ao plano secreto de Deus a respeito do universo, bem como a proximidade do fim, que revelara seu plano

O terceiro dialogo (6.35; 9.25) se dedica primeiro a questão do saber porque Israel não possui, desde já, o mundo que lhe pertence, como lhe foi prometido; vê este mundo como uma passagem, fala dos destinos dos pecadores e do julgamento do mundo, das setes espécies de tormentos e das setes espécies de alegrias do estagio intermediário; rejeita a possibilidade de intercessão por ocasião do julgamento e se preocupa com o problema de saber como a misericórdia de Deus se concilia com a perdição dos pecadores, e liga a esta consideração a advertência de que Esdras, que esta destinada a bem aventurança, melhor faria em pensar no próprio futuro do que se afadiga a respeito da sorte merecida dos pecadores.

Seguem-se, então, as três visões. Esdras é enviado a um campo onde nunca se havia construído nada, para que ali se alimente só de flores, enquanto espera novas revelações (9.23 – 26).

A primeira Visão (9.26; 10.59) segue no conjunto da narração é a quarta e mostra uma mulher em prantos, cuja infelicidade passa a ser narrada. Ela se transfigura em cidade resplandecente, a Jerusalém da era de salvação. A visão seguinte que no conjunto da narrativa é a quinta (11.1; 12.1) ilustra toda história com exemplo da figura de uma águia que surge do mar, bem como da extensão de algumas de suas partes.

A sexta visão (13.) mostra um ser semelhante ao homem, que surge do meio do mar (13.3) e luta sobre as nuvens a frente de um grande exercito e com torrentes de fogo conta os seus inimigos, até que estes se convertam em cinzas.

A sétima visão é a despedida (14.1-47) Deus fala a Esdras desde a sarça, como a Moises (3.2-6): anuncia-lhe sua passagem deste mundo para estar com o Filho de Deus, e manda instruir o povo, porque já passaram dez partes e meia das doze nas quais esta dividido o mundo (14.9-18). Imediatamente Esdras adverte o povo de que após a morte existe o juízo e escreve sob a inspiração divina noventa e quatro livros; vinte quatro para que os leiam todos, os restantes reservados aos sábios (14.45-47). O Livro termina narrando a assunção de Esdras “ao lugar onde estão os que se parecem com ele” (14.8-9).

Na redação final IV Esdras mostra forte unidade em torno do número sete. Existe sequencias de sete dias (5.3;6.35;7.30.31.101; 12.50). Sete São os tormentos e sete são as alegrias depois da morte (7.80-91) e sete os nomes de Deus (7.132-139)

ASPECTOS RELEVANTES DOS SETE ATOS

Nos diálogos:

Apresenta como causa do mal – passado, presente, futuro – O pecado do homem, pois ele possui um coração mal (3.20-22). Daí seu pessimismo sobre o destino dos seres humanos após a morte: Pereceram, diz: “não uns poucos, mas quase todos os que foram criados” (7.48)

Deus, no entanto, deu a todos os homens a liberdade para praticarem o bem ou o mal, e indicou a todos o que tem de fazer para viver (7.21). Por isso, no juízo, cada um arcará com a própria responsabilidade (7. 102-105). No final de sua obra, o autor oferece os livros inspirados como meio para encontrar o caminho da vida (14.22).

O amor de Deus por Israel e por todas as suas criaturas é ainda um mistério que ninguém, nem mesmo Esdras, pode compreender (5.40)

Além do mundo presente, corruptível, existe o mundo futuro incorruptível: “Deus criou dois mundos, e não um só” (7.50; 4.41). O presente é um caminho estreito e repleto de tribulações, o futuro será imortal e sem corrupção (7.113). Seu momento, já prefixado, esta próximo, e, como em II Baruc, realiza-se por etapas (7.26-35). O Messias não tem função alguma no juízo nem se fala da exaltação de Israel; a expressão “meu Filho”, aplicada ao Messias, tem sentido Veterotestamentário (Sl 2.7).

O tema da escatologia intermediaria é proposto de forma angustiante “o que acontece depois da morte?” (7.75; I Henoc 22). De acordo com IV Esdras as almas passadas sete dias depois de sua saída do corpo, vagaram errantes e terão sete castigos, ou irão para as moradas eternas e terão sete alegrias (7.75-101); mesmo que nem elas saibam quando chegara o mundo futuro no qual receberão sua recompensa (4.35-36).

Nas visões:

Revela-se como será a chegada desse mundo futuro com a vinda do Messias e da nova Jerusalém. O Messias é visto de formas diferentes nas visões segunda e terceira. Na segunda é o messias davídico, guerreiro, que salvará o judeu fiel e vencerá, julgara, aniquilará os reis do “quarto reino” da visão de Daniel (Dn. 2.40; 7.19), ainda que a este profeta, diz o autor de IV Esdras referindo-se à visão do império romano, não lhe tenha sido interpretada como é agora (12.1). Na terceira, por sua vez, é o Filho do homem de Dn. 7, e Filho de Deus. Não se dá a ele o título de Messias; mas pode inferir-se a partir do título “Filho” (Sl. 2). Esse Filho do homem será combatido, mas de Jerusalém mostrar-se-á a todos, julgará e destruirá as nações (13.37) como na visão anterior. Aqui acrescenta-se que reunirá em torno dele uma multidão pacífica, as tribos dispersas que abandonaram as nações e se encaminharam para onde ninguém tinha morado, a fim de cumprir a lei (porventura, para o deserto?) (13.39-50). De modo diferente da representação que aparece nos diálogos, em nenhuma das duas visões nada se diz sobre outro momento final após o reinado do Messias, por isso deve-se supor um reino messiânico dos judeus reunidos em Jerusalém em torno do Messias.

Quanto à Jerusalém futura, anunciada na primeira visão, é apresentada como uma cidade descida do céu para morada do Altíssimo (10.50-54). É possível que a ela se refira nos diálogos ao dizer que, quando vier o Messias, “aparecerá à esposa como uma cidade” (7.26ss).

ANALOGIA ENTRE IV ESDRAS E NOVO TESTAMENTO

Para Martinez, Fernandes e Peres (p.294) há aspectos nos quais IV Esdras apresenta maior semelhança quanto ás propostas.

O FIM DOS TEMPOS:
IV ESDRAS - Um atordoamento de espírito vira sobre os que habitam á terra. Planejarão fazer a guerra uns contra os outros, cidade contra cidade, região contra região, povo contra povo, reino contra reino. Quando essas coisas acontecerem e que os sinais que te mostrei anteriormente se tiverem realizado, então, será revelado meu Filho, que viste na forma de um homem subindo do mar. 13.30-32

NOVO TESTAMENTO -   Dize-nos quando sucederão estas coisas, e que sinal haverá quando todas elas estiverem para cumprir-se. Então Jesus começou a dizer-lhes: Acautelai-vos; ninguém vos engane; muitos virão em meu nome, dizendo: Sou eu; e a muitos enganarão. Quando, porém, ouvirdes falar em guerras e rumores de guerras, não vos perturbeis; forçoso é que assim aconteça: mas ainda não é o fim. Pois se levantará nação contra nação, e reino contra reino; e haverá terremotos em diversos lugares, e haverá fomes. Isso será o princípio das dores. Mc 13.4-8

O PECADO E A LEI:

IV ESDRAS: Mas, não tiraste deles o coração perverso, para que tua lei produzisse frutos neles. Pois, o primeiro Adão, prejudicado pelo seu coração perverso transgrediu e foi vencido, com toda a descendência que nasceu dele. Assim o desequilíbrio tornou-se permanente: a Lei estava no coração do povo juntamente com o coração perverso. Mas, o que era bom desapareceu; em quanto o mal permanecia.
3.20-22

NOVO TESTAMENTO: Que diremos, pois? Ë a lei pecado? De modo nenhum! Mas eu não teria conhecido o pecado, por intermédio da lei; pois não teria eu conhecido a cobiça, se a lei não dissera: Não cobiçaras. Mas, o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, despertou em mim toda sorte de concupiscência; porque, sem lei, estar morto o pecado. Outrora, sem a lei eu vivia; mas, sobrevindo o preceito, reviver o pecado, e eu morri. E o mandamento que me fora para a vida, verifiquei que este mesmo se me tornou para morte. Porque o pecado prevalecendo-se do mandamento, pelo mesmo mandamento, me enganou e me matou. Por conseguinte a lei é santa; e o mandamento, santo, e justo, e bom. A caso o bom se me tornou em morte? De modo nenhum! Pelo contrário, o pecado, para revelar-se como pecado, por meio de uma coisa boa, causou-me a morte, a fim de que, pelo mandamento, se mostrasse sobremaneira maligno. Rm7.7-13.

ESCATOLOGIA INTERMEDIÁRIA:

IV ESDRAS - Em relação ao que disseste: os justos não são numerosos, mas poucos, enquanto os ímpios são numerosos […] Se achei graça aos teus olhos, Senhor, mostra mais isto ao teu servidor: depois da morte _ no tempo atual quando cada um entregar sua alma _ ficaremos em paz até esses tempos nos quais renovará a criação ou seremos imediatamente torturados?. Mostrar-te-ei isto também […] A respeito da morte, eis o ensino: quando a sentença da morte for proferida pelo Altíssimo sobre um homem, quando o espírito deixar o corpo , ele volta para aquele que o deu […] E se for um dos que o desprezaram os caminhos do Senhor; não os seguiram, violaram sua Lei e odiaram os que temem a Deus, tais espíritos não entrarão nas moradas, mas vagarão imediatamente em tormentos, sempre sofrendo e triste de sete maneiras […] Ninguém poderá interceder por um outro para lhe dar sua carga. Pois neste dia cada um levara sua conta, seus atos de justiça ou de injustiça. 7.51-105

NOVO TESTAMENTO - Ora, havia um homem rico que se vestia de púrpura e de linho finíssimo, e todos os dias se regalava esplendidamente. Ao seu portão fora deitado um mendigo, chamado Lázaro, todo coberto de úlceras; o qual desejava alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico; e os próprios cães vinham lamber-lhe as úlceras. Veio a morrer o mendigo, e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; morreu também o rico, e foi sepultado. No hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe a Abraão, e a Lázaro no seu seio. E, clamando, disse: Pai Abraão, tem misericórdia de mim, e envia-me Lázaro, para que molhe na água a ponta do dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama. Disse, porém, Abraão: Filho lembra-te de que em tua vida recebeste os teus bens, e Lázaro de igual modo os males; agora, porém, ele aqui é consolado, e tu atormentado. E, além disso, entre nós e vós está posto um grande abismo, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem os de lá passar para nós. Disse ele então: Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes à casa de meu pai, porque tenho cinco irmãos; para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham eles também para este lugar de tormento. Disse-lhe Abraão: Têm Moisés e os profetas; ouçam-nos. Respondeu ele: Não! pai Abraão; mas, se alguém dentre os mortos for ter com eles, hão de se arrepender. Abraão, porém, lhe disse: Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos. Lc 16.19-31

A FÉ NA INSPIRAÇÃO DIVINA DOS LIVROS SAGRADOS:

IV ESDRAS - Se encontrei graças aos teus olhos, envia-me o teu Espírito Santo, para que possa escrever todas as coisas que acontecem no mundo desde do inicio, as coisas que foram escritos na tua Lei para que muitos possam achar o caminho e que aqueles que querem sobreviver nos últimos dias possam viver […] Minha boca se abriu e não se fechou mais […] Assim durante quarenta dias, noventa e quatro livros foram escritos. 14. 22-26, 41-44

NOVO TESTAMENTO - Toda Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente preparado para toda boa obra. II Tm 3.16-17.   E temos ainda mais firme a palavra profética à qual bem fazeis em estar atentos, como a uma candeia que alumia em lugar escuro, até que o dia amanheça e a estrela da alva surja em vossos corações; sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação. Porque a profecia nunca foi produzida por vontade dos homens, mas os homens da parte de Deus falaram movidos pelo Espírito Santo. II Pd 1.19-21. 

Considerações finais



O livro nos mostra um judaísmo que vê abalados os antigos ideais da fiel e rigorosa observância da Lei, bem como a orgulhosa separação de sua nação em relação as outras, e se considera rejeitado por Deus, no confronto da humanidade, como pequena minoria que fora escolhida por Deus. Por isso coloca a questão não quanto à justiça de Deus, mas quanto à sua misericórdia. Dificilmente se poderia procurar na situação estreita e tímida da palestina esse judaísmo, assim livre que pensa além das fronteiras particularistas e nacionais, que encara a própria catástrofe não mais unicamente como um infortúnio nacional, como faz o autor das lamentações, e não propõem mais a própria miséria como uma interrogação dirigida à justiça de Deus, como acontece com Jô.

Logo, o autor do livro coloca a sua esperança na vinda messiânica como solução para seus problemas, ao contrario do autor das lamentações e de Jó; o que o move aqui, pelo contrário, não é propriamente o advento da era de salvação para o seu próprio povo, Mas sim a questão relativa às expectativas de todo gênero humano. Desta forma o livro assume sob muitos aspectos, uma posição que nem de longe fica diminuída pelo fato de suas ideias terem sido assumidas parcialmente pelo apocalipse siríaco de Baruc.

 Autor: Claudia Oliveira


REFERENCIAS

BÍBLIA DE ESTUDO ALMEIDA. Revista e Atualizada (RA). Barueri: Sociedade Biblica do Brasil, 1999.

MOURA, Wilson. A escatologia Paulina à Luz da Literatura apocalíptica Judaica. São Luis: HoKemãh, 2007, Vol. 01

PEREZ, G. Aranda; MARTINEZ, Garcia, FERNANDES, Perez. Literatura Judaica Intertestamentária. In. Introdução ao Estudo da Biblia. Trad. Prof. Mario Gonçalves. São Paulo: Ave-Maria, 2000, Vol. 09

ROST, Leonard. Introdução aos livros apócrifos do Antigo Testamento e aos Manuscritos de Qumran. Trad. Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha. São Paulo. Paulinas 1980.

SPARKS, Hedley Frederick Davis. Apócrifos do Antigo Testamento. Trad. Caetano Minett de Tilese. Fortaleza: Revista Bíblica Brasileira, 2000, Vol. 2